domingo, 27 de março de 2011

Aumento do uso de HC divide opiniões


Nos últimos 10 anos, houve um aumento de 700% na quantidade de pedidos de Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça. No Supremo Tribunal Federal, o crescimento foi de 500%. É o que revela o Anuário da Justiça 2011, lançado nessa quinta-feira (31/3), em Brasília.
Em 2001, foram distribuídos 856 HCs no Supremo. Em 2005, esse número saltou para 2.027. Em 2010, foram 4.207. No STJ, em 2001, foram 4.578 HCs distribuídos; 11.232, em 2005 e 35.820 no ano passado.

Os números têm atraído a atenção dos membros das Cortes Superiores. No início deste ano, o ministro Gilson Dipp, do STJ, causou polêmica ao declarar que, no Brasil, havia um uso indiscriminado do HC. A utilização do remédio constitucional em substituição a outros mecanismos processuais, disse, pode levar à “desmoralização do sistema ordinário”.
Durante o lançamento do Anuário da Justiça, a revista Consultor Jurídico ouviu a comunidade jurídica a respeito do tema. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, desembargador Nelson Calandra, disse que o Habeas Corpus foi sendo banalizado ao longo dos anos. “O Habeas Corpus foi engendrado como uma ferramenta constitucional para proteger o direito de ir e vir.” Entretanto, disse, passou a ser usado para várias outras situações, como transferência de presídio ou progressão da pena. “Isso desvirtua a ferramenta constitucional e faz com que se multiplique o número de Habeas Corpus.” Para Calandra, o HC deve ficar restrito à proteção do direito de ir e vir. “Ilegalidade, abuso e desvio de poder, quando há direito líquido e certo, são temas adequados para o Mandado de Segurança, nunca para Habeas Corpus”, observou.
Questionado se há excesso de Habeas Corpus no país, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, afirmou que há um excesso de conflito. “Hoje, há um fenômeno no país e no Rio em particular: a atuação policial que se faz mais presente no combate ao tráfico, à criminalidade. É evidente que essa atuação redunda em processos, prisões e, consequentemente, em medidas que procuram proteger as garantias individuais”, disse. "Mais do que isso, acho que o Conselho Nacional de Justiça expôs muito a situação do nosso modelo prisional. Isso, evidentemente, torna a nossa advocacia mais ativa, de forma positiva, na defesa dessas garantias fundamentais", completou.
Já o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, afirma que é preciso analisar a causa para o aumento do número de HCs: em que medida esses Habeas Corpus são protelatórios? Ou eles se devem ao fortalecimento da Defensoria Pública nos últimos anos? “O crescimento no número de Habeas Corpus também deve ser analisado sob esse ponto de vista.” Ele disse que os três Poderes têm discutido ferramentas para racionalizar o uso do recurso. “O Habeas Corpus, sobretudo, tem de ser analisado com muito cuidado, pois é uma garantia constitucional e que não podemos mexer sem ter certeza se há o uso abusivo”, concluiu.
Para o professor Arnoldo Wald, a Justiça está cada vez mais atuante. Ele também destacou a questão da busca pelos direitos. “No passado, a população não tinha acesso ao Judiciário. Agora, com a democratização da Justiça, há acesso e é natural que as pessoas usem mais o Habeas Corpus”, disse. Marcelo Vieira, secretário da Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça, chamou a atenção para a mesma situação. Um acesso mais amplo à Justiça, conclui, faz com que haja um aumento no uso da ferramenta.
Para o desembargador Marco Aurélio Bellizze, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a própria estruturação da Justiça, com a incorporação e efetivação dos direitos constitucionais, levam o advogado a buscar incansavelmente a solução dos problemas de seus clientes. “Há, para cada andamento do processo e a cada negativa de uma instância, um recurso para a seguinte, inclusive com a impetração de Habeas Corpus”, explicou.
Para o desembargador, é preciso trabalhar com duas hipóteses. Por um lado, diz, não podemos subtrair o direito que o advogado tem de buscar a correção de uma ilegalidade que entenda ter ocorrido. “O Judiciário tem que estar aberto a correção dos erros, dos equívocos, das ilegalidades.” Por outro, aponta, a transformação dos HCs como instrumento de supressão de instâncias gera situações absurdas, com grande quantidade de Habeas Corpus, que inviabilizam os tribunais de prestarem a jurisdição.

Sem entrar no mérito se houve ou não banalização dos HCs ou das prisões cautelares, o juiz federal do Rio de Janeiro Valter Shuenquener considerou que o STF não é o foro para decidir a quantidade de recursos que vem decidindo. “Esse tipo de recurso é casuístico. Por isso, não cabe ao Supremo julgá-lo. E é por isso que deve ser questionado como os HCs estão sendo usados”. Nesse sentido, o juiz afirmou que a PEC dos Recursos é uma das saídas para esse quadro. “Quando a Constituição de 1988 foi feita, havia essa preocupação muito grande com o direito da ampla defesa, devido aos tempos que sofremos com a ditadura. Mas conquistamos um Estado Democrático de Direito e agora enfrentamos esse problema, com cada vez mais casos chegando ao Judiciário. A proliferação dos HCs inviabiliza a Justiça e, por consequência, prejudica a defesa”, disse.
“Falar em excesso de Habeas Corpus é o mesmo que ir contra a liberdade”, destacou o criminalista Técio Lins e Silva. Ele afirmou, ainda, que é muito perigoso quando incitam qualquer tipo de restrição a esse instrumento. “Sou da geração que advogou com o AI-5, que suspendeu a garantia do HC para crimes políticos e contra segurança nacional. Esse foi um ato da força da ditadura que não pode voltar sob nenhum aspecto”, completou.
Para o advogado Osvaldo Reis, do Fragata e Antunes, “o HC está sendo usado na medida do direito constitucional” das pessoas. O mesmo entende o advogado Ezequiel Salvador. Embora os números apontem para o aumento no uso do HC, o advogado entende que não há uso deliberado da ferramenta. Ele chama a atenção para outros dados: os que apontam que a maioria dos HCs foi concedida por falta de fundamentação na prisão cautelar e excesso de prazo. Isso, diz, demonstra a necessidade dessa medida.
Instâncias de passagem
A advogada Patrícia Rios, do Leite Tosto e Barros, alerta para outro aspecto: “Se a primeira e a segunda instâncias seguissem entendimento tanto do STF quanto do STJ, não teria inúmeros HCs”. Do mesmo modo, entende a advogada Magda Santos. Para ela, o aumento no número de HCs é reflexo de como os direitos fundamentais são tratados nas primeira e segunda instâncias. “Falar que há um abuso no uso desse recurso é questionar o direito de defesa”, ressaltou.
Já a advogada Josefina Serra dos Santos, conselheira seccional da OAB do Distrito Federal, considera um contra-senso os HCs subiram para o STJ e STF. “Seria natural o juiz de primeiro grau, que conhece o caso, conceder o Habeas Corpus, e não o STJ ou o STF, que analisam apenas questões processuais, e não a pessoa em si. Ainda bem que podemos contar com os ministros.”
O advogado Otto Medeiros, do escritório Otto Medeiros Advocacia, também afirmou que a enxurrada de Habeas Corpus é um indicativo de como trabalha a primeira instância. Ainda há, diz, uma falsa ideia de que os mandados de prisão devem atender a uma pressão popular. “Quando há uma banalização no uso de medidas cautelares, não há outra saída para a defesa a não ser o Habeas Corpus.”
A incidência do HC reflete o despreparo da primeira instância e da Justiça estadual, de acordo com o advogado Fernando Martins, do escritório Fernando Martins Advogados Associados. “As decisões são teratológicas, não se atêm ao direito e são dadas como resposta a uma pretensa impunidade. O STF tem tido uma posição firme com relação a isso, mesmo com o excesso de carga de trabalho.”
Chegou o Anu

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